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PROCESSO Nº: 2020/6040/501446

REQUERENTE: ARCELORMITTAL BRASIL S.A

 

CONSULTA Nº 20/2020

 

EXTENSÃO DE BENEFÍCIO FISCAL DA LEI N° 1.385/03 À CONSULENTE BENEFICIÁRIA DA LEI N° 1.201/00. IMPOSSIBILIDADE:

1. Nos termos do art.150, §6º, da Constituição Federal, qualquer  subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de  crédito  presumido,  anistia  ou remissão, relativos a impostos, taxas  ou  contribuições,  só  poderá  ser  concedido  mediante  lei específica que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição.

2. O § 2° do art. 2° da Lei n° 1.201/00 veda ao beneficiário desta lei o recebimento de outros incentivos fiscais previstos na legislação tributária, os quais reduzam a carga tributária.

EXPOSIÇÃO FÁTICA:

A empresa em epígrafe, devidamente qualificada nos autos e estabelecida em Palmas-TO, tem como atividade econômica principal o comércio atacadista de materiais de construção, com foco no atendimento de clientes localizados no Estado do Tocantins.

Aduz que possui os benefícios fiscais descritos na Lei n. 1.201/00, concedidos através do TARE n. 2527/2013.

Afirma que existem outros benefícios paralelamente a este, dentre os quais o denominado PROINDÚSTRIA, regulamentado pela Lei n. 1.385/03. E que grande parte da carteira da consulente se constitui de empresas elegíveis a tal benefício.

Assevera que o benefício do PROINDÚSTRIA em nada se relaciona ao benefício mantido pela Consulente, através do TARE 2.527/2013, sendo um benefício próprio de seus clientes, concedidos aos fornecedores desse público, no caso, a Consulente.

Alega que em face do disposto na alínea “a” do inciso I do artigo 4°, Lei 3.185/03I, vem gerando saldo credor de ICMS nos últimos períodos de apuração, haja vista o volume de vendas para clientes beneficiários do PROINDÚSTRIA.

Declara que recolhe valores relativos ao Fundo de Desenvolvimento Econômico – FDE – em relação à parcela das suas receitas que seriam alcançados pelo benefício próprio do setor atacadista.

Declara ainda que, em relação ás vendas destinadas aos clientes beneficiários do PROINDÚSTRIA, considera, conforme art. 4°, inciso, da lei 1.385/03 e texto expresso nos TAREs de seus clientes, as operações como isentas, não havendo recolhimento do ICMS referente às saídas internas, mantendo, também segundo o mesmo texto legal, os valores de créditos apurados sobre as entradas correspondentes.

Diante de todo o exposto, formula a presente

CONSULTA:

1 – Está correto o entendimento da Consulente quanto aos procedimentos acima apresentados, tendo em vista as bases legais destacadas?

RESPOSTA:

 O cerne da consulta é a possiblidade da utilização dos benefícios fiscais que a Lei 1.201/2000, através do TARE n. 2527/2013, em conjunto com outros benefícios fiscais, em face de disposições de cláusulas constantes em TAREs de seus clientes, especificadamente, dos beneficiários do PROINDÚSTRIA, com fulcro no art. 4°, I, “a”, da Lei n. 1.385/03.

De início, cumpre ressaltar que a imagem colacionada pela consulente na exordial se relaciona aos fornecedores de energia elétrica, mercadoria que não tem nenhuma pertinência temática com as fornecidas pela consulente.

Pois bem, é cediço que as normas que versem sobre isenção (ainda que parcialmente), suspensão ou exclusão do crédito tributário e dispensa do cumprimento de obrigações acessórias devem ser interpretadas literalmente, nos estritos termos do art.111, II, Código Tributário Nacional.

O significado de interpretação literal preconizada pelo CTN é no sentido da proibição de interpretação ampliativa. Segundo a lição de Hugo de Brito Machado a isenção é uma exceção à regra de tributação, a ela aplica-se o princípio geral de hermenêutica segundo o qual as exceções são interpretadas restritivamente. (in Curso de Direito Tributário, 15.ª Ed. Malheiros, São Paulo, 1999, pp. 88 e 89).

Os Tribunais Superiores, no mesmo sentido, entendem não ser possível uma ampliação de benefício fiscal em face do artigo 111 do CTN. Como exemplo, transcrevo Ementa elucidativa extraída do STJ:

EMENTA: TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO DO IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES DE CÂMBIO NAS IMPORTAÇÕES. DECRETO-LEI N. 2.434, DE 19 DE MAIO DE 1988, ARTIGO. 6. A isenção tributária, como o poder de tributar, decorre do jus imperii estatal. Desde que observadas as regras pertinentes da Constituição Federal, pode a lei estabelecer critérios para o auferimento da isenção, como no caso in judicio. O real escopo do artigo 111 do CTN não é o de impor a interpretação apenas literal a rigor impossível mas evitar que a interpretação extensiva ou outro qualquer princípio de hermenêutica amplie o alcance da norma isentiva. Recurso provido, por unanimidade. (Resp 14.400/SP, 1ªT., rel. Min. Demócrito Reinaldo, j. 20-11-1991).

Assim sendo, para que o contribuinte possa obter os benefícios fiscais dispostos na Lei 1.201/00 e acumulá-los como os prescritos pela Lei 1.385/03 (ainda que indiretamente), necessário e indispensável que não haja nenhuma vedação legal para tal mister.

Assim dispõe o art. 1° da lei n. 1.201/00:

Art. 1º. É facultado ao contribuinte com atividade econômica no comércio atacadista:

*Caput do art 1º com redação determinada pela Lei nº 1.584, de 16/06/2005 e restaurado pela Lei nº 2.938, de 23/12/2014. 

I - apropriar-se de crédito fiscal presumido de 75% sobre o valor apurado do ICMS;

*II – redução da base de cálculo nas operações de importação de mercadorias do exterior, de forma que a carga tributária do ICMS resulte da aplicação de:

*a) 1% para revenda;

*b) 2% por conta e ordem de terceiros.

III - apropriar-se do crédito fiscal presumido de 75% sobre o valor apurado do ICMS, na operação própria com autopeças, pneumáticos, câmaras de ar, protetores de borracha, relacionados no Anexo XXI do Regulamento do ICMS.

*§1º O benefício previsto no inciso I do caput deste artigo não se aplica às mercadorias sujeitas ao regime de substituição tributária.

*§2º O benefício previsto no inciso II do caput deste artigo não se aplica às mercadorias sujeitas ao regime de substituição tributária, exceto na operação própria com autopeças, pneumáticos, câmaras de ar e protetores de borracha relacionados no Anexo XXI do Regulamento do ICMS.

*§2º com redação determinada pela Lei nº 3.345, de 29/12/2017. Produzindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 2018. 

*§3º O pagamento do imposto apurado nas operações de importação do exterior é diferido para o mês seguinte ao do desembaraço aduaneiro.

*§3º com redação determinada pela Lei nº 3.345, de 29/12/2017. Produzindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 2018.

§7º A apropriação de crédito referente à entrada de mercadoria importada do exterior é limitada ao valor do imposto recolhido nos termos do inciso II deste artigo.

*§7º acrescentado pela Lei nº 2.712, de 9/05/2013.

*§8º O recebimento dos incentivos de que trata esta Lei sujeita o contribuinte: 

I - à apuração do ICMS pelo sistema normal de débito e crédito; 

II - ao recolhimento do ICMS apurado; 

III - ao cumprimento das obrigações acessórias.

*O §8º, Inciso I, II e III acrescentado pela Lei nº 3.345, de 29/12/2017. Produzindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 2018.

 *§9º A falta ou o atraso no pagamento do ICMS, por mais de 15 dias, contados do vencimento, implica: 

I - a perda do benefício fiscal no mês da ocorrência; 

II - o recolhimento do ICMS sem atribuição dos benefícios previstos nos incisos I, II e III do caput deste artigo.

* O §9º, Inciso I e II acrescentado pela Lei nº 3.345, de 29/12/2017. Produzindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 2018. 

Entretanto, a consulente que possui o benefício fiscal presumido, constante da Lei 1.201/00, comercializa mercadorias para uma empresa beneficiária do PROINDÚSTRIA -Lei n. 1.385/03.

O contribuinte traz à baila o disposto na alínea “a” do inciso I do art. 4° da Lei n. 1.395/03:

Art. 4o Os benefícios fiscais e os incentivos do PROINDÚSTRIA compreendem:

I – a isenção do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS: (Redação dada pela Lei 2.675 de 19.12.12).

a) nas operações internas, para a matéria-prima e insumos destinados aos estabelecimentos industriais beneficiários desta Lei, mantido o crédito do ICMS para o remetente;

Segundo seu raciocínio, nas suas saídas internas de matérias-primas e insumos destinados aos beneficiários do PROINDÚSTRIA, as operações seriam isentas e ainda com manutenção do crédito de ICMS.

Acontece que o § 2° do art. 2° da Lei n. 1.201/00 é expresso quanto à impossibilidade de a consulente receber outros incentivos fiscais:

Art. 2º. O benefício fiscal previsto nesta Lei:

(...)

*§2º O beneficiário desta Lei não recebe outros incentivos fiscais previstos na legislação estadual que reduzam carga tributária, exceto o disposto no inciso V do §1º do art. 1o da Lei 1.303, de 20 de março de 2002.

*§2º acrescido pela Lei nº 3.345, de 29/12/2017. Produzindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 2018.

O dispositivo legal supra é translúcido em vedar à Consulente qualquer outro benefício fiscal que reduza carga tributária. As únicas exceções à impossibilidade de usufruição de benefícios fiscais acumulados referem-se às mercadorias com bebidas (inciso V do § 1° da Lei 1.303/02).

Assim sendo, a norma capitulada no art. 4°, I, “a”, da Lei n. 1.385/03 que concede isenção nas operações internas, para a matéria-prima e insumos aos estabelecimentos beneficiários do PROINDÚSTRIA, mantido o crédito do ICMS para o remetente, não alcança à consulente, pelo fato de a empresa já ser beneficiária da Lei n. 1.201/00.

A impossibilidade de extensão de benefício fiscal à contribuinte não alcançado pela norma tributária é sedimentada pelos STJ e STF, conforme esclarecedoras Ementas, ora transcritas:

TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. BENEFÍCIO FISCAL. EXTENSÃO A CONTRIBUINTE NÃO ALCANÇADO PELA NORMA TRIBUTÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO INTERNO DA EMPRESA A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que não é possível estender benefício fiscal a terceiro não alcançado pela norma legal, tendo em vista o princípio da estrita legalidade tributária (art. 150, § 6o. da CF/1988 e art. 111 do CTN).

2. A declaração de inconstitucionalidade não aproveitaria à impetrante, em vista da inadmissibilidade se estender os benefícios previstos no citado dispositivo legal, à hipóteses não previstas em norma que deixa de existir. Ressalte-se que o Poder Judiciário não pode atuar como legislador positivo.

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. LIMINAR INDEFERIDA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO, FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA.

I - A controvérsia dos autos diz respeito à possibilidade de se incluir a empresa ora impetrante nos benefícios fiscais instituídos pela Lei n. 12.715/2012 - INOVAR-AUTO.

II - A concessão de benefício fiscal é função atribuída pela Constituição Federal ao legislador, que deve editar lei específica, nos termos do art. 150, § 6°. A mesma ratio permeia o art. 111 do CTN, o qual impede que se confira interpretação extensiva em matéria de exoneração fiscal. Não há,portanto, fumus boni iuris para a concessão de liminar.

III - A jurisprudência do STJ é firme quanto à impossibilidade de o intérprete estender benefício fiscal à hipótese não alcançada pela norma legal (cf. RMS n. 40.536/BA, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 5/11/2013, DJe 9/12/2013; AgRg no REsp n. 1.226.371/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 10.5.2011; REsp n. 1.116.620/BA, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJe 25.8.2010; REsp n. 1.140.723/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 22/9/2010).

TRIBUTÁRIO. BENEFÍCIO FISCAL. EXTENSÃO A CONTRIBUINTE NÃO ALCANÇADO PELA NORMA TRIBUTÁRIA. IMPOSSIBILIDADE.

1. Cuida-se de Agravo Regimental interposto contra decisão que negou seguimento ao Recurso Ordinário em Mandado de Segurança mediante o qual pretende a impetrante usufruir de benefício fiscal previsto em lei estadual que não alcança sua situação jurídica.

2. A concessão de tal vantagem é função atribuída pela Constituição Federal ao legislador, que deve editar lei específica, nos termos do art. 150, § 6. A mesma ratio permeia o art. 111 do CTN, o qual impede que se confira interpretação extensiva em matéria de exoneração fiscal.

3. A orientação do STJ é firme quanto à impossibilidade de o intérprete estender benefício fiscal a terceiro não alcançado pela norma legal (cf. AgRg no REsp 1.226.371/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 3.5.2011, DJe 10.5.2011; REsp 1.116.620/BA, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 9.8.2010, DJe 25.8.2010; REsp 1.140.723/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 2.9.2010, DJe 22.9.2010).

4. Na mesma linha encontra-se a jurisprudência do STF, para quem o Poder Judiciário não pode atuar como legislador positivo a fim de estender benefício fiscal (cf. RE 596.862 AgR, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 7.6.2011; ADI 1851 MC, Relator Min. Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, julgado em 3.9.1998).

A acumulação de benefícios fiscais imaginada pelo contribuinte soa como um verdadeiro paraíso fiscal. Pretender a redução da base de cálculo prevista na Lei n. 1.201/00 (disposta no TARE n. 2527/2013) e mais a isenção nas saídas internas de matérias-primas e insumos para as empresas beneficiárias do PROINDÚSTRIA, além de manutenção de crédito de ICMS, é não somente ilegal, mas sobretudo imoral. 

Ora, os benefícios fiscais concedidos pelo Tocantins têm o propósito de geração de emprego e renda, e não o enriquecimento da consulente sem uma contrapartida tributária relativa ao ICMS. O acúmulo de saldo credor do ICMS da empresa é devido à sua interpretação e aplicação equivocada da lei.

 Diante de todo o exposto, está absolutamente incorreto o entendimento da peticionária. O único benefício fiscal a que tem direito a consulente é o prescrito na Lei n. 1.201/00, vez que o § 2° do art. 2° da Lei n. 1.201/00 lhe impossibilita o recebimento de outros incentivos fiscais que reduzam a carga tributária.

 

À Consideração Superior.

 

DTRI/DGT/SEFAZ - Palmas/TO, 24 de abril de 2020.

 

 

 

 

Rúbio Moreira

AFRE IV – Mat. 695807-9

 

De acordo.

 

José Wagner Pio de Santana

Diretor de Tributação